terça-feira, 23 de setembro de 2008

MÁRIO SOARES - CRISE SISTÉMICA?

Gostei do artigo de opinião abaixo, que hoje li no Diário de Notícias. Por isso quero partilhá-lo convosco.
Acho que vale a pena ler até ao fim e repassá-lo porque me parece que esta sábia análise encaixa na perfeição na realidade actual.

"Pai do Bicho"

1. É uma maneira elegante de sugerir, sem ser alarmista, a crise do sistema ou a crise do modelo económico. É como empregar a palavra suave abrandamento (que tanto ouvimos, nos últimos tempos), para fugir à horrível recessão ou admitir a expressão, crise económica. Mas quem se pretende enganar com tais eufemismos?
No final da última semana, na iminência das falências de bancos e companhias de seguros na América (como Lehman Brothers e American International Group, a AIG, para só citar os exemplos mais recentes), com repercussões nos países da União Europeia, da Suíça, do Japão e da China, o Presidente Bush foi obrigado a fazer uma intervenção dramática, prometendo que a Reserva Federal Americana e o Tesouro iriam entrar com os biliões necessários para resolver o problema. Não foi preciso mais nada. As bolsas - até então em desespero - reagiram com grande optimismo e, por toda a parte, houve subidas importantes no preço das acções em bolsa. Contudo, está ainda tudo em aberto, com o intervalo do fim-de-semana. O Congresso terá de se pronunciar. Veremos o que se passará nesta semana
George Soros, numa entrevista dada ao Le Monde, no sábado passado, culpa os integristas do mercado (isto é, o sistema neoliberal, a ideologia "do laisser faire e da auto-regulação dos mercados"), responsáveis, pelas imensas perdas dos bancos, das seguradoras e das bolhas do imobiliário (sub-prime), que estão a conduzir à implosão do sistema. E então? Perante a catástrofe iminente, aqueles mesmos que reclamavam, há poucos meses, menos Estado, mais privatizações, recorrem agora ao Estado, com total desfaçatez, isto é: ao dinheiro dos contribuintes. Privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos - essa parece ser agora a regra - sem se importarem com os prejuízos dos accionistas e as consequências que daí vão resultar no aumento em flecha do desemprego e na quebra intolerável do nível de vida das pessoas menos favorecidas. Como de costume, são os inocentes que mais sofrem. Porque os administradores e os gestores dos bancos e demais empresas - os responsáveis - saem a sorrir, com grandes indemnizações e chorudas reformas, com total impunidade…
A crise, iniciada nos Estados Unidos, no segundo mandato de Bush - como muitos previram e avisaram - está a repercutir-se na Europa, na Rússia, mesmo na China. Trata- -se de uma crise talvez pior do que a de 1929. Como disse Soros: "Na China, a crise económica pode degenerar em crise política. Paradoxalmente, a crise do capitalismo americano pode dar cabo, sem o desejar, do comunismo chinês", avisa ainda Soros...
De qualquer forma, o sistema neoliberal entrou em ruptura. É preciso repensar o capitalismo, passando da fase especulativo-financeira dos paraísos fiscais, de uma "economia de casino", para um capitalismo ético, vincadamente social e respeitador do ambiente. É possível uma tal mudança? É. Mais: é inevitável. Mas, como escreveu o economista Joseph Stiglitz, prémio Nobel: "É preciso que os dirigentes políticos do Ocidente tenham a coragem de virar decisivamente à Esquerda" (El Pais, 7 de Setembro de 2008).
2.Ora a Esquerda americana sempre contou pouco, salvo com o New Deal de Roosevelt, e a nova fronteira de Kennedy, que durou pouco tempo. Mas o partido democrático sempre conseguiu estabelecer uma diferença com o partido republicano, ultraconservador, excepto talvez com Eisenhower, que teve a coragem de denunciar o perigoso "complexo industrial-militar", que renasceu em força com Bush. Barack Obama, sem ser ideologicamente de Esquerda, marca uma diferença clara com o ultraconservadorismo, político-religioso, de McCain e da sua companheira de lista, Sarah Palin, populista e antielites, que em pouco mais de duas semanas subiu ao estrelato máximo e começou a sua descida aos infernos, mostrando a sua impreparação política e as suas fragilidades…
Pelo contrário, a Esquerda europeia, que nos anos 70 e 80, dava cartas na Europa, com líderes da qualidade e coragem de Willy Brandt, Mitterrand, Schmidt, Callagham, Olof Palme, Kreisky, Felipe González, Nenni e Craxi, após o colapso do comunismo, começou a perder terreno e a deixar-se "colonizar" pelo pensamento neoliberal de Blair e Schroeder e da chamada "terceira via" (hoje desacreditada). Daí, as perguntas que surgem: como se chegou à situação de fraqueza - e paralisia - em que a Esquerda se encontra na Europa de hoje? Como repensar o pensamento de Esquerda para poder fazer frente à crise múltipla com que estamos confrontados?
Se tivermos em conta a evolução - e o desnorte - dos partidos de Esquerda, nos grandes países europeus - o SPD, na Alemanha, o New Labour, no Reino Unido, os socialistas, em França, a "nova democracia", na Itália, para só citar os maiores - constatamos facilmente o declínio dos partidos que se reclamam da social-democracia, do trabalhismo, do socialismo democrático e da própria Internacional Socialista, cuja voz, hoje, quase deixou de se ouvir.
É verdade que há outra Esquerda residual: o que resta dos partidos comunistas, os alteromundialistas, que animam movimentos meramente protestatários, mas que tardam em encontrar o seu caminho para chegar ao poder. Sem esquecer o papel extremamente importante das Federações e Confederações Sindicais, que têm incontestável força e das associações de defesa dos Direitos Humanos, dos ecologistas e outras que têm a sua força, no plano social, mas com pouco peso na disputa do poder, em termos eleitorais..
3.É preciso, pois, repensar a Esquerda reformista, na perspectiva de fazer face, com êxito, à crise e de encontrar outro modelo económico, social e político (no sentido do aprofundamento democrático e de uma maior participação cívica dos cidadãos) para dar um novo élan à Europa (paralisada), responder à angústia e ao pessimismo dos cidadãos, quanto ao futuro, reforçando a justiça social. Voltar aos valores éticos - que foram sempre bandeira da Esquerda -, ao civismo (contra o enfraquecimento dos Estados), contra as sociedades de mercado e dos negócios pouco transparentes, lutar contra a corrupção e o tráfico de influências. Voltar à militância em favor da paz e das negociações para resolver os conflitos, lutar contra a precariedade do trabalho, contra as desigualdades, a injusta distribuição dos rendimentos, pela inclusão social, contra a degradação do ambiente e pela ordenação do território. É preciso repensar as políticas de Esquerda, apelando sobretudo, à participação dos cidadãos. E velar para que as mulheres e os homens de Esquerda, que cheguem ao poder nos Estados ou nos partidos, sejam pessoas impolutas, que saibam distinguir os negócios privados do serviço público.
Foi essa honradez republicana que permitiu que a nossa I República, apesar de só ter durado dezasseis anos, deixasse um legado de moralidade que resistiu, como um exemplo a seguir, a quase meio século de ditadura. Foram os lobbies dos interesses, a imoralidade dos dirigentes dos bancos e das empresas, as grandes negociatas, envolvendo políticos, e o tráfico de influências, numa palavra, a promiscuidade entre a política e os negócios, que desacreditou a política e nos conduziu à crise em que nos encontramos. Não nos deixemos iludir: o sistema está podre e é preciso mudá-lo. Essa é a grande tarefa da Esquerda europeia, com autonomia ideológica em relação à América, uma vez repensadas as políticas e os comportamentos, para que os cidadãos se mobilizem.
(Artigo de opinião de Mário Soares - Diário de Notícias 22-09-2008)

1 comentário:

Páscoa disse...

Olá, amigo Zé,

Esta velha raposa devia estar calada.Este Marocas, que, em determinada altura, meteu o socialisno na gaveta, deu entrada em Portugal ao celebérrimo Frank Carlucci e virou o Ps completamente á direita, vem agora dizer que é necessa´rio repensar a esquerda.O homem devia mas era estar calado, porque ou se faz de ingénuo - o que não me parece- ou é hipócrita, pois toda a gente sabe que onde se dá livre caminho para a concorrência nos negócios nunca se pensa em solidariedade social- é ver quem mais ganha- e daí a corrupção instalada em todos os sectores e os xico-espertos a encherem-se á conta dos honestos e pacíficoa trabalhadores.O Dr. Mário Soares que vá dar banho ao cão, pois em Portugal foi ele o percurssor da política e do PS que hoje temos.

Um abração


Páscoa.